quarta-feira, 20 de julho de 2011

Hoje falo eu...

Estive muito tempo calado e a ver, ler e ouvir as mais variadas alarvidades em tanto sitio que achei que o melhor era mesmo estar calado.

Mais importante que Jesus, Rui Costa, LFV ou cada um dos novos reforços, somos nós adeptos apaixonados que fazemos do Benfica o que ele é e somos nós que apoiamos e defendemos o Benfica em cada momento da nossa existência, independentemente da crítica que pode ser feita aqui ou ali a quem decide uma ou outra contratação.

 O Benfica de 2011/2012 vai hoje ser apresentado no Estádio da Luz a uma semana da primeira eliminatória da champions league e se tudo correr bem podemos fechar hoje o plantel, o que se saúda. 

Na minha opinião, temos um plantel forte com várias opções no ataque mas com muitas dúvidas na defesa. Se Maxi Pereira e Luisão ficarem no Benfica, então temos praticamente o plantel fechado ficando apenas definir se Roderick Miranda e Miguel Vitor serão os dois centrais que acompanham Luisão e Garay ou se um qualquer "Mangala, Déde, Coates ou Anderson Martins" aparece a complementar a defesa e a baralhar a conta dos estrangeiros.

Eu sou dos que acho que ter portugueses apaixonados pelo Benfica no plantel é ter sempre um pouco mais do terceiro anel e de paixão pura por tudo o que é crescer em Portugal com o Benfica.

Ontem na RTP deu um pequeno documentário televisivo sobre o nosso antigo jogador Nelinho - jogador do Benfica na década de 70 - e ele dizia numa certa altura que "hoje, jogaria no Benfica de borla" e vê-se o "homem por trás do atleta" e do apaixonado pelo Benfica, entre outras coisas da sua vida privada.

Eu quando falo repetídissimas vezes neste assunto, não tenho a veleidade ou a arrogância de ser populista e dizer esta frase bonita "de que o Benfica precisa de mais portugueses no plantel" sem dar soluções, mas na verdade não sei quem iria contratar e para que posição, mas sei que só com mais portugueses na equipa o Benfica pode aspirar a ser o Benfica de outros tempos. Tenho esta opinião e sei que os nossos dirigentes também a partilham apesar da dificuldade em colocá-la em prática.

Posto isto, vamos aplaudir os oito portugueses que ficarão no plantel - Mika, Eduardo, Miguel Vitor, Ruben Amorim, Nuno Coelho, Carlos Martins, David Simão, Nelson Oliveira - aguardar a hipótese de poder contar com um nono português de nome Roderick Miranda e aplaudir os 18 estrangeiros que têm lugar garantido neste Benfica - Artur, Maxi Pereira, Luisão, Garay, Emerson, Capdevilla, Matic, Javi Garcia, Witsel, Enzo Perez, Aimar, Gaitan, Bruno César, Nolito, Saviola, Franco Jara, Cardozo, Rodrigo -  com a hipótese de ter mais um ou outro -  a eterna dúvida de Urreta e um novo central - mesmo sabendo que a Liga "apenas" autoriza 19 estrangeiros e a UEFA "apenas" autoriza 17...

Senti neste defeso, que agora começa a ver luz ao fundo do túnel, o mesmo que senti noutros anos - o Benfica deveria ter tratado e fechado o plantel há pelo menos duas semanas. Mais uma vez sei que isto pode soar a populista e a alguem desligado da realidade do mercado, mas penso que isso terá que ser revisto e corrigido nos próximos anos. 

É sempre a mesma incerteza, as mesmas novelas nos jornais, os mesmos negócios falados e expostos antes de se assinar qualquer coisa e sempre as mesmas expectativas criadas nos adeptos com a possível contratação deste ou daquele.

Deveremos contratar menos e com mais critério - temos emprestados ou à beira de emprestar Wass, Carole, Jardel, Shaffer, Fernandez, Kardec, Filipe Meneses, Airton, Fábio Faria, Ruben Pinto, André Almeida, César Peixoto, Roberto, Julio César, Rodrigo Mora, Miguel Rosa - e devemos de futuro analisar quem queremos, ver o preço possível e atacar o alvo cirurgicamente e de forma rápida...

Dizem que as novelas podem ajudar a baixar os preços - os jogadores pressionam, os clubes acabam por ceder - mas o desgaste mediático tem por vezes um preço demasiado alto.

E depois temos aqui um novo elemento que é o ataque cerrado do FCPorto a todos os nossos alvos.

Eu não quero analisar quem ganha ou quem perde nestas guerras do Benfica e do FCPorto, quem passa informação a quem, mas quero entender este ataque cerrado do Porto como algo que "já faz parte do processo" de todas as possíveis contratações do Benfica. O FCPorto vai continuar a "picar" todos os nossos alvos com dois objectivos. Por um lado aumentar o preço que Benfica paga por esse jogador e por outro lado comprar algum dos nossos alvos e criar aqui uma arma psicológica muito forte nesta silly season do defeso.

Hoje temos a massa adepta encarnada depressiva, triste e cabisbaixa apenas porque um tal jovem brasileiro de nome Danilo assinou pelo FCPorto em vez de estarmos a subir as escadas do nosso estádio alegres, confiantes e a apoiar este excelente plantel. 

Mas quem é Danilo? Que efeito tem este nome na depressão encarnada no dia em que apresentamos a nossa equipa aos nossos adeptos?

Tem o efeito que Pinto da Costa quer criar em todos nós. O sentimento de tristeza, de impotência, de critica à nossa direcção, à nossa estrutura, etc...

O que eu sei é que se o Benfica desse 22,5 milhões de euros por dois jogadores sub 20 brasileiros - e um deles suplente do nosso Leo à beira dos 36 anos - haveria metade dos benfiquistas a criticar o despesismo. 

Sinceramente, acho que o Benfica não precisava de Danilo, pelo menos por 13 milhões de euros mais um ordenado seguramente alto e ainda por cima segundo se diz apenas vem em Janeiro. Se a viagem de LFV ao Brasil serviu apenas para aumentar o preço do jogador para o FCPorto eu já considero isso como algo de positivo, porque estamos finalmente a jogar com as mesmas armas com que eles jogam.

Vendemos Coentrão por 30 milhões de euros e comprámos Emerson por 2,5m, Garay por 5,5m, Witsel por 6,5m, Bruno César por 5,3m e Enzo Perez por 5,5m. 

Arur, Nolito, Nuno Coelho, Matic e aparentemente Capdevilla vieram a custo zero, Eduardo veio por empréstimo e com isso fechámos o plantel até ver nos 25,3 milhões. Se contarmos com Leo Kanu que veio por  0,5m, André Almeida por 0,2m e Melgarejo por 0,7m temos um total de 26,7m investidos em 10 contratações para o plantel e em mais 3 jogadores para engrossar a lista dos emprestados.

O FCPorto comprou Kelvin, Kleber e Iturbe por 2,3m cada (com percentagens diferentes dos passes) e estes dois brasileiros Alex Sandro por 9,5m e Danilo por 13m. No total compra quatro brasileiros e um argentino de grande potencial, mas grandes incógnitas de perfomance na Europa por 29,4m. Sinceramente continuo a preferir as opções feitas pela nossa estrutura de futebol apesar das muitas criticas que posso fazer aos timings, a alguns processos muito longos e a algum aparente descontrolo num determinado momento desta pré-época tendo em conta que temos a nossa primeira grande competição dentro de uma semana. 

Temos um plantel realmente equilibrado e muito forte e isso é o mais importante no dia de hoje.

Mais uma vez e quando tudo aparentava estar calmo e sereno eis que aparecem mais alguns problemas de ultima hora. Luisão não se sabe se fica, Maxi Pereira ainda não renovou e apurou-se para a final da Copa America, chegando em cima do jogo da pré-eliminatória da champions.

Hoje apresentamos o plantel e até ao primeiro dia do campeonato recebemos o Trabzonspor no dia 27 de Julho, depois vamos à Turquia jogar a segunda mão no dia 3 de Agosto e recebemos o Arsenal para a Eusébio Cup no dia 6 de Agosto.

No dia 14 de Agosto (ou antes se jogamos o playoff de apuramento para a champions) abrimos o campeonato em Barcelos contra Gil Vicente, a 16/17 de Agosto jogamos desejavelmente a primeira mão desse playoff de acesso à fase de grupos da champions, depois a 20 de Agosto recebemos o Feirense para a segunda jornada da Liga, jogamos a segunda mão do playoff a 23/24 de Agosto e vamos à Madeira na sempre dificil deslocação ao Nacional a 28 de Agosto fechando assim um pequeno ciclo complicado, com muitos jogos em pouco espaço de tempo. De 27 de Julho a 28 de Agosto teremos um mês cheio de jogos - desejavelmente 7 - e onde se joga muito do resto da temporada.

O não apuramento para a champions, sendo eliminados agora ou no playoff, seria um duríssimo golpe nas aspirações da nossa época e um tónico negativo decisivo para Jorge Jesus, que é para mim o elo mais fraco deste arranque de nova época. 

Eu tenho a ideia que os jogadores antigos revelam algum cansaço perante os seus métodos, acho que ele não vai ter mãos nem inteligência para gerir tanta gente do meio campo para a frente a jogar e a estar no banco, acho que ele só conhece um esquema e dá-se mal com outros esquemas tácticos fruto da sua teimosia já conhecida e acho que o famoso terceiro anel não lhe dá nenhum crédito para este íncio de época. Aliás acho que Jorge Jesus vai ter que voltar a conquistar os adeptos do Benfica que vêm nele o principal responsável pelos fracassos da época passada o que quer dizer que ou ele se apura para a champions no final de Agosto ou podemos começar a ter problemas logo de ínicio. 

Atenção que isto é uma opinião pessoal e só espero poder enganar-me mas resulta da observação e de conversas que mantenho com vários benfiquistas de vários quadrantes e de várias regiões. Penso também que Pinto da Costa está à espera da escorregadela do Benfica na champions e alguns jogos iniciais de maus resultados para poder tentar dar ao Danilo e ao Alex Sandro o treinador que os descobriu para o futebol europeu. Pode ser que me engane, mas sei que vai tentar fazer a cabeça do nosso treinador nalgum momento da época...

Não estaremos perante um possível novo caso Fernando Santos que foi despedido depois dum empate no primeiro jogo, até porque o nosso presidente acredita cegamente em Jorge Jesus e já disse várias vezes que esse foi um erro óbvio, mas como disse antes, o crédito de Jorge Jesus nos adeptos é muito mais reduzido do que ele apregoa aos sete cantos do mundo. 

Só uma mudança muito radical na sua atitude, na sua humildade, no seu conhecimento e na maneira como ele está acompanhado na equipa, na estrutura do futebol e pela administração pode salvar Jorge Jesus da ira dos adeptos se algo correr mal na champions. Se tudo correr bem na Champions é óbvio que teremos tudo para iniciar uma boa época e é apenas nisso que a equipa tem de focar nestes jogos iniciais.

Espero do fundo do coração que Jorge Jesus tenha sorte e que nos consiga levar aos objectivos que mais desejamos - ser campeões, voltar a ganhar a Taça de Portugal e fazer uma champions de grande nível.

Para o fim deixo uma nota para o árduo trabalho que Rui Costa terá pela frente ao colocar todos estes jogadores dispensados no mercado, com o desejo que quanto mais próximo eles andarem, mais os podemos controlar, mais os podemos monitorizar nas suas performances e mais controlamos os balneários de outras equipas do nosso campeonato. Como alguém disse, "não são só os árbitros que ganham campeonatos para o FCPorto". Uma boa gestão de emprestados nas várias equipas da Primeira Liga não dá titulos, mas ajuda seguramente...

Espero que Rui Costa entenda isso quando estiver a resolver os casos da quase dezena de jogadores que precisam de ser colocados em equipas ou vendidos em definitivo e que a estrutura de Rui Costa, António Carraça, Manuel Sérgio e equipa técnica de Jorge Jesus sejam realmente uma familia blindada e unida para os desafios que estão pela frente. 

Estamos muito mais fortes hoje que há um ano, sem euforias desmedidas, com trabalho de casa mais bem feito e sem grandes loucuras no mercado. Gastámos mais ou menos o que ganhámos com a transferência de Coentrão e no final só temos que ter paciência para esperar pelo entrosamento desejado com tanta cara nova no plantel.

Finalmente hoje temos bola a rolar novamente no relvado do Estádio da Luz.

Força Benfica

sexta-feira, 1 de julho de 2011

O senhor Águas

Não quero falar do Benfica de 2011/2012, desta silly season que tem muito mais de silly que qualquer outra - quanto mais não seja pelas expectativas que eu criei a pensar que finalmente o Benfica iria ter um plantel fechado ou quase fechado no arranque dos trabalhos - e vou centrar este texto no que realmente importa num clube como o Benfica.

Eu não vou escrever muito porque vou colocar aqui um texto sublime do mais sublime esritor que Portugal viu nascer. Já uma vez aqui escrevi sobre António Lobo Antunes e coloquei uma entrevista feita por Vitor Serpa para o jornal A Bola onde ele fala sobre a sua paixão (agora adormecida) pelo nosso Glorioso. 

Um dia tive oportunidade de conhecer e falar com António Lobo Antunes. Foi no inverno de 2008 na New York Public Library que assisti a uma magnífica conferência deste maior vulto da nossa literatura e foi aí que este grande autor, grande escritor e grande benfiquista me assinou um exemplar traduzido para inglês do livro que acabava de lançar. 

Não sei porquê - ou se calhar até sei - não tive coragem de pedir ao senhor António Lobo Antunes que me fizesse uma dedicatória de benfiquista para benfiquista. Era o que eu mais queria naquele livro. Queria que o senhor António Lobo Antunes perdesse um pouco mais de tempo comigo do que todos aqueles americanos que estavam na fila para o autógrafo e me escrevesse qualquer coisa sobre o nosso amor comum.  Não foi em New York, mas poderá ser em qualquer aldeia recôndita do nosso Portugal e sei que da próxima vez que tiver oportunidade de estar com este senhor escritor, não terei vergonha e pedir-lhe-ei o tal autógrafo de benfiquista para benfiquista.

No passado dia 22 de Junho, a Visão publicou um texto de Lobo Antunes sobre o Senhor Águas...

Eu tenho pelo José Águas uma enorme estima e lembro-me de desde muito pequeno do meu pai falar que jogava à bola no verão com este nosso capitão numa praia deste nosso Oeste. Inclusivamente lembro-me do meu pai me mostrar as fotos do José Águas com ele e me contar que andou com o pequeno Rui ao colo. 

Admito que quando era pequeno as minhas grandes estrelas dos idos anos 60 eram Eusebio - pelo nome e pelo que representava - o Coluna - porque tudo o que eu vi e ouvi dele faziam deste senhor Coluna o grande maestro e a inteligência do Benfica - e o Cavem - por razoes de proximidade.

Nunca entendi até alguns anos depois, a importância do Senhor Águas no Benfica apesar de saber que a foto que aqui tenho em cima ser a única foto que eu gostava de comprar em versão original, porque é a foto que representa o melhor do nosso Benfica.

A propósito desta foto o meu amigo e absolutamente talentoso Ricardo Araujo Pereira foi convidado para falar sobre o livro que a tambem minha amiga Lena d´Água editou sobre "O que é ser José Aguas e o que é ser Benfica".  Diz ele a certa altura que não tendo sobrinhos ou sobrinhas quando a enfermeira lhe deu a filha para as mãos ele a levantou como José Águas levantou a nossa primeira "Taça dos Campeões Europeus". Eu que ao contrário do Ricardo, tive sobrinha primeiro que filhos ou filhas senti e sinto exactamente o mesmo que ele sente ao levantar a sua menina... Levanto a minha sobrinha dou lhe um beijo e vejo-a com aqueles olhos e aquele sorriso bem lá no alto, como o José Águas levantou e sentiu a nossa primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus.  

Um excerto do que ele diz pode ser visto no link que coloco em baixo e é com um enorme orgulho que coloco no mesmo texto, Jose Águas, António Lobo Antunes e Ricardo Araújo Pereira. São três gerações que representam o melhor que o Benfica tem e terá, porque nem só de futebol vive o nosso Benfica e ainda bem. 

O texto do António Lobo Antunes foi retirado daqui e podem-no ler na íntegra de seguida. 

O vídeo do Ricardo Araujo Pereira roubei-o ao meu querido vizinho Coluna d´Aguias Gloriosas que ontem resolveu publicar um post com este link do vídeo que retirou do YouTube.


O senhor Águas


Nunca admirei tanto um atleta como admirei José Águas. Para quê, portanto, ir ao futebol se ele já não se encontra no estádio?


António Lobo Antunes
6:07 Quarta feira, 22 de Jun de 2011 


Há mais de trinta anos que não assisto a um jogo de futebol. Não conheço os estádios novos, vejo, às vezes, um bocadinho na televisão. Mas entre os dez e os vinte anos não falhava um jogo do Benfica. E não falhei enquanto Águas jogou. Claro que não era apenas Águas: era Costa Pereira, Germano, Ângelo, Simões, Eusébio, Cavém, o grande Mário Esteves Coluna que Otto Glória considerava o melhor jogador português, outros mais artistas que jogadores, como José Augusto, por exemplo, a todos estou grato pela beleza e a alegria que me deram, porém nunca admirei tanto um atleta como admirei José Águas. Para quê, portanto, ir ao futebol se ele já não se encontra no estádio? Era a elegância, a inteligência, a integridade, o talento, e ao pensar em escrever o meu desejo era ser o Águas da literatura. Vi Pelé, Didi, Nilton Santos, Puskas, Di Stefano, Santamaria, tantos outros génios, no tempo em que o futebol não era ainda uma indústria nem os jogadores funcionários competentes, comandados por esse horror a que chamam técnicos: era pura criação, uma actividade eufórica, uma magia cinzelada, uma nascente de prazer, uma inspiração, um entusiasmo. Águas foi tudo isso e, muito novo, ganhou o respeito dos colegas, dos adversários, dos jornalistas da época, que os havia de grande qualidade, Carlos Pinhão, Carlos Miranda, Aurélio Márcio, Homero Serpa, tantos outros. Não jogava futebol: criava futebol, respirava futebol, inventava futebol, e teria sido um privilégio para mim conhecê-lo. Não para falar com ele, para o ouvir. A sua beleza física invulgar distinguia-o de todos os outros, a forma de se mover em campo era única, a autoridade sobre os companheiros natural e humilde. Os miúdos que iam comigo à bola chamavam-lhe senhor Águas, sem sonharem que era desse modo que Simões e Eusébio o tratavam, como tratavam Coluna. Senhor Águas, senhor Coluna. Reconhecíamo-lo, do alto do terceiro anel, no estádio de então, onde, de tão longe, os jogadores minúsculos, pelo modo de correr, se deslocar no campo, passar, rematar, reconhecíamo-lo pelos seus golpes de cabeça, inimitáveis, pelo sentido da ocupação do espaço, pela simplificada geometria do seu futebol. Não tinha a garra de Ângelo ou Cavém, a força de Coluna, o gigantesco talento de Eusébio, o poder do drible de Simões, a velocidade de José Augusto: era uma espécie de rei sereno e eficaz, um aristocrata perfeito. Até a andar os olhos ficavam presos nele, na harmonia dos gestos, no modo de ajeitar bola, e eu, criança de dez anos ou adolescente de quinze, pensava tenho de trabalhar mais esta página, ainda não chego aos calcanhares de José Águas. Escrever como ele jogava, com a mesma subtileza e a mesma eficácia. Escrever como a equipa do Benfica, umas vezes à Ângelo, outras à Germano, outras à Coluna, e finalizar à Águas. Nunca deve ter ouvido falar em mim nem podia adivinhar que um garoto qualquer o tomava não apenas como mestre de futebol mas como mestre de escrita. Só, mais tarde, certos saxofonistas de jazz, Bird, Coltrane, Webster, Coleman, Hodges, alguns mais, tiveram, sobre o meu trabalho, influência semelhante. Mas Águas foi o meu primeiro e indisputado professor: escreve como ele joga, meu estúpido, aprende a escrever como ele jogava. Como morava em Benfica via-o, às vezes, no autocarro do clube e ficava, pasmado de admiração, a fitá-lo. Isto lembra-me o meu irmão Nuno chegando a casa de dedo no ar 

- Toquei no Eusébio, toquei no Eusébio

como provavelmente, eu o faria, porque na infância e na adolescência o futebol era, para além de uma aprendizagem do mundo, um prazer infinito. A cor dos equipamentos

(o meu amigo Artur Semedo:

- Não sou um homem às riscas, sou homem de uma cor só)

a entrada em campo, o hino, tudo isto me exaltava e fazia feliz. E as vitórias, comemoradas em Benfica com bebedeiras eufóricas. Uma das minhas glórias secretas, confesso-o agora, consiste em ter visto a fotografia do meu pai no balneário do hóquei em patins do Benfica, de ele ter estado no Campeonato da Europa de 1936, em Estugarda, com vinte ou vinte e um anos, e de brincarmos com uma caixa de lata cheia de medalhas, a que o meu pai não dava importância alguma e eu considerava inestimáveis. Há pouco, a minha mãe

- O que faço eu a isto?

exibindo-me uma espécie de troféu ou de placas num estojo, que alguns anos antes de morrer a Federação de Patinagem lhe entregou, juntamente com outras antigas glórias, e que me recordo de o meu pai, que não saía, ir receber com satisfação secreta. Mas, claro, eu era só filho do Lobo Antunes, não era filho do Águas, e ainda sei medir as distâncias. Portanto, o que vou eu fazer a um campo de futebol se ele já não joga? Seguir os funcionários competentes de um negócio? Assistir ao bailado dos técnicos? Ver a fantasia substituída pela sofreguidão, a ambição pela avidez, o amor ao clube pela violência idiota? Claro que continuo a querer que o Benfica ganhe. Claro que sou, como em tudo o resto, parcial, sectário, por vezes sem bom senso algum. Mas há séculos que não sofro com as derrotas e, sobretudo, não choro lágrimas sinceras com elas: estou-me nas tintas. Contudo voltaria a trotar, radiante, para assistir à entrada em campo de Costa Pereira, Mário João, Germano, Ângelo, Cavém, Cruz, José Augusto, Eusébio, Águas, Coluna e Simões, a agradecer-lhes o facto de me terem, durante anos e anos, colorido a existência. E talvez no fim do jogo, postado junto ao autocarro, quando os jogadores saíssem do balneário, o senhor Águas me apertasse a mão.

 Video do Ricardo Araujo Pereira a falar de Jose Águas



Força Benfica