sexta-feira, 1 de julho de 2011

O senhor Águas

Não quero falar do Benfica de 2011/2012, desta silly season que tem muito mais de silly que qualquer outra - quanto mais não seja pelas expectativas que eu criei a pensar que finalmente o Benfica iria ter um plantel fechado ou quase fechado no arranque dos trabalhos - e vou centrar este texto no que realmente importa num clube como o Benfica.

Eu não vou escrever muito porque vou colocar aqui um texto sublime do mais sublime esritor que Portugal viu nascer. Já uma vez aqui escrevi sobre António Lobo Antunes e coloquei uma entrevista feita por Vitor Serpa para o jornal A Bola onde ele fala sobre a sua paixão (agora adormecida) pelo nosso Glorioso. 

Um dia tive oportunidade de conhecer e falar com António Lobo Antunes. Foi no inverno de 2008 na New York Public Library que assisti a uma magnífica conferência deste maior vulto da nossa literatura e foi aí que este grande autor, grande escritor e grande benfiquista me assinou um exemplar traduzido para inglês do livro que acabava de lançar. 

Não sei porquê - ou se calhar até sei - não tive coragem de pedir ao senhor António Lobo Antunes que me fizesse uma dedicatória de benfiquista para benfiquista. Era o que eu mais queria naquele livro. Queria que o senhor António Lobo Antunes perdesse um pouco mais de tempo comigo do que todos aqueles americanos que estavam na fila para o autógrafo e me escrevesse qualquer coisa sobre o nosso amor comum.  Não foi em New York, mas poderá ser em qualquer aldeia recôndita do nosso Portugal e sei que da próxima vez que tiver oportunidade de estar com este senhor escritor, não terei vergonha e pedir-lhe-ei o tal autógrafo de benfiquista para benfiquista.

No passado dia 22 de Junho, a Visão publicou um texto de Lobo Antunes sobre o Senhor Águas...

Eu tenho pelo José Águas uma enorme estima e lembro-me de desde muito pequeno do meu pai falar que jogava à bola no verão com este nosso capitão numa praia deste nosso Oeste. Inclusivamente lembro-me do meu pai me mostrar as fotos do José Águas com ele e me contar que andou com o pequeno Rui ao colo. 

Admito que quando era pequeno as minhas grandes estrelas dos idos anos 60 eram Eusebio - pelo nome e pelo que representava - o Coluna - porque tudo o que eu vi e ouvi dele faziam deste senhor Coluna o grande maestro e a inteligência do Benfica - e o Cavem - por razoes de proximidade.

Nunca entendi até alguns anos depois, a importância do Senhor Águas no Benfica apesar de saber que a foto que aqui tenho em cima ser a única foto que eu gostava de comprar em versão original, porque é a foto que representa o melhor do nosso Benfica.

A propósito desta foto o meu amigo e absolutamente talentoso Ricardo Araujo Pereira foi convidado para falar sobre o livro que a tambem minha amiga Lena d´Água editou sobre "O que é ser José Aguas e o que é ser Benfica".  Diz ele a certa altura que não tendo sobrinhos ou sobrinhas quando a enfermeira lhe deu a filha para as mãos ele a levantou como José Águas levantou a nossa primeira "Taça dos Campeões Europeus". Eu que ao contrário do Ricardo, tive sobrinha primeiro que filhos ou filhas senti e sinto exactamente o mesmo que ele sente ao levantar a sua menina... Levanto a minha sobrinha dou lhe um beijo e vejo-a com aqueles olhos e aquele sorriso bem lá no alto, como o José Águas levantou e sentiu a nossa primeira Taça dos Clubes Campeões Europeus.  

Um excerto do que ele diz pode ser visto no link que coloco em baixo e é com um enorme orgulho que coloco no mesmo texto, Jose Águas, António Lobo Antunes e Ricardo Araújo Pereira. São três gerações que representam o melhor que o Benfica tem e terá, porque nem só de futebol vive o nosso Benfica e ainda bem. 

O texto do António Lobo Antunes foi retirado daqui e podem-no ler na íntegra de seguida. 

O vídeo do Ricardo Araujo Pereira roubei-o ao meu querido vizinho Coluna d´Aguias Gloriosas que ontem resolveu publicar um post com este link do vídeo que retirou do YouTube.


O senhor Águas


Nunca admirei tanto um atleta como admirei José Águas. Para quê, portanto, ir ao futebol se ele já não se encontra no estádio?


António Lobo Antunes
6:07 Quarta feira, 22 de Jun de 2011 


Há mais de trinta anos que não assisto a um jogo de futebol. Não conheço os estádios novos, vejo, às vezes, um bocadinho na televisão. Mas entre os dez e os vinte anos não falhava um jogo do Benfica. E não falhei enquanto Águas jogou. Claro que não era apenas Águas: era Costa Pereira, Germano, Ângelo, Simões, Eusébio, Cavém, o grande Mário Esteves Coluna que Otto Glória considerava o melhor jogador português, outros mais artistas que jogadores, como José Augusto, por exemplo, a todos estou grato pela beleza e a alegria que me deram, porém nunca admirei tanto um atleta como admirei José Águas. Para quê, portanto, ir ao futebol se ele já não se encontra no estádio? Era a elegância, a inteligência, a integridade, o talento, e ao pensar em escrever o meu desejo era ser o Águas da literatura. Vi Pelé, Didi, Nilton Santos, Puskas, Di Stefano, Santamaria, tantos outros génios, no tempo em que o futebol não era ainda uma indústria nem os jogadores funcionários competentes, comandados por esse horror a que chamam técnicos: era pura criação, uma actividade eufórica, uma magia cinzelada, uma nascente de prazer, uma inspiração, um entusiasmo. Águas foi tudo isso e, muito novo, ganhou o respeito dos colegas, dos adversários, dos jornalistas da época, que os havia de grande qualidade, Carlos Pinhão, Carlos Miranda, Aurélio Márcio, Homero Serpa, tantos outros. Não jogava futebol: criava futebol, respirava futebol, inventava futebol, e teria sido um privilégio para mim conhecê-lo. Não para falar com ele, para o ouvir. A sua beleza física invulgar distinguia-o de todos os outros, a forma de se mover em campo era única, a autoridade sobre os companheiros natural e humilde. Os miúdos que iam comigo à bola chamavam-lhe senhor Águas, sem sonharem que era desse modo que Simões e Eusébio o tratavam, como tratavam Coluna. Senhor Águas, senhor Coluna. Reconhecíamo-lo, do alto do terceiro anel, no estádio de então, onde, de tão longe, os jogadores minúsculos, pelo modo de correr, se deslocar no campo, passar, rematar, reconhecíamo-lo pelos seus golpes de cabeça, inimitáveis, pelo sentido da ocupação do espaço, pela simplificada geometria do seu futebol. Não tinha a garra de Ângelo ou Cavém, a força de Coluna, o gigantesco talento de Eusébio, o poder do drible de Simões, a velocidade de José Augusto: era uma espécie de rei sereno e eficaz, um aristocrata perfeito. Até a andar os olhos ficavam presos nele, na harmonia dos gestos, no modo de ajeitar bola, e eu, criança de dez anos ou adolescente de quinze, pensava tenho de trabalhar mais esta página, ainda não chego aos calcanhares de José Águas. Escrever como ele jogava, com a mesma subtileza e a mesma eficácia. Escrever como a equipa do Benfica, umas vezes à Ângelo, outras à Germano, outras à Coluna, e finalizar à Águas. Nunca deve ter ouvido falar em mim nem podia adivinhar que um garoto qualquer o tomava não apenas como mestre de futebol mas como mestre de escrita. Só, mais tarde, certos saxofonistas de jazz, Bird, Coltrane, Webster, Coleman, Hodges, alguns mais, tiveram, sobre o meu trabalho, influência semelhante. Mas Águas foi o meu primeiro e indisputado professor: escreve como ele joga, meu estúpido, aprende a escrever como ele jogava. Como morava em Benfica via-o, às vezes, no autocarro do clube e ficava, pasmado de admiração, a fitá-lo. Isto lembra-me o meu irmão Nuno chegando a casa de dedo no ar 

- Toquei no Eusébio, toquei no Eusébio

como provavelmente, eu o faria, porque na infância e na adolescência o futebol era, para além de uma aprendizagem do mundo, um prazer infinito. A cor dos equipamentos

(o meu amigo Artur Semedo:

- Não sou um homem às riscas, sou homem de uma cor só)

a entrada em campo, o hino, tudo isto me exaltava e fazia feliz. E as vitórias, comemoradas em Benfica com bebedeiras eufóricas. Uma das minhas glórias secretas, confesso-o agora, consiste em ter visto a fotografia do meu pai no balneário do hóquei em patins do Benfica, de ele ter estado no Campeonato da Europa de 1936, em Estugarda, com vinte ou vinte e um anos, e de brincarmos com uma caixa de lata cheia de medalhas, a que o meu pai não dava importância alguma e eu considerava inestimáveis. Há pouco, a minha mãe

- O que faço eu a isto?

exibindo-me uma espécie de troféu ou de placas num estojo, que alguns anos antes de morrer a Federação de Patinagem lhe entregou, juntamente com outras antigas glórias, e que me recordo de o meu pai, que não saía, ir receber com satisfação secreta. Mas, claro, eu era só filho do Lobo Antunes, não era filho do Águas, e ainda sei medir as distâncias. Portanto, o que vou eu fazer a um campo de futebol se ele já não joga? Seguir os funcionários competentes de um negócio? Assistir ao bailado dos técnicos? Ver a fantasia substituída pela sofreguidão, a ambição pela avidez, o amor ao clube pela violência idiota? Claro que continuo a querer que o Benfica ganhe. Claro que sou, como em tudo o resto, parcial, sectário, por vezes sem bom senso algum. Mas há séculos que não sofro com as derrotas e, sobretudo, não choro lágrimas sinceras com elas: estou-me nas tintas. Contudo voltaria a trotar, radiante, para assistir à entrada em campo de Costa Pereira, Mário João, Germano, Ângelo, Cavém, Cruz, José Augusto, Eusébio, Águas, Coluna e Simões, a agradecer-lhes o facto de me terem, durante anos e anos, colorido a existência. E talvez no fim do jogo, postado junto ao autocarro, quando os jogadores saíssem do balneário, o senhor Águas me apertasse a mão.

 Video do Ricardo Araujo Pereira a falar de Jose Águas



Força Benfica


2 comentários:

David Pereira disse...

Olá!

Eu confesso que não sou benfiquista, no entanto, no meu blogue pessoal faço algumas análises de jogos de futebol, alguns dos quais do Benfica, onde tento mostrar a minha imparcialidade, e gostava que visitassem e inclusivamente, que os administradores deste blogue o adicionassem aos seus links:

http://davidjosepereira.blogspot.com/

Eu não sou benfiquista, mas respeito a vossa dedicação, empenho e amor pelo clube.

Cumprimentos ;)

Coluna dÁguias Gloriosas disse...

obrigado pela referência!

saudações gloriosas