Eu digo isto, umas semanas depois de ter escrito que "era muito difícil termos equipa para as duas frentes", mas depois de ver o Setúbal - Braga e ver na classificação os 11 pontos de avanço sobre FCPorto, começo a acreditar que com um pouco de sorte, poderemos tentar priorizar os dois caminhos - o campeonato e a Liga Europa.
Disso falaremos mais adiante porque hoje é dia de Marselha.
Para a geração dos 30s - 40s a eliminatória de há 20 anos marca muito do Benfica Europeu dessa brilhante década de 80, inicio de 90.
Estávamos em Abril de 1990, já tínhamos disputado uma final amarga contra PSV Eindhoven e jogávamos o acesso a mais uma final dos campeões Europeus. Para quem se lembra e viveu esta eliminatória a fundo, sabemos que foram jogos históricos pela mão de Vata, mas pela carga emotiva e de importância desportiva que acarretava esta eliminatória.
Muito foi escrito esta semana - mais uma vez "A Bola" neste particular esteve muito bem a recuperar memórias e comentários - mas pouco se falou do conceito de David e Golias que nessa altura eu humildemente senti. A verdade é que a equipa do Marselha era autenticamente Galáctica e nós éramos apenas uma boa equipa de futebol. Esta é a mais pura das verdades. Em Marselha, perdemos 2-1 quando poderíamos ter perdido por 5-1, de forma fácil...
A diferença de velocidade e de atitude perante o jogo foi de tal forma alucinante que não podemos justificar essa diferença apenas com o ambiente do Velódrome. A verdade é que o Marselha desses anos era mesmo de outro campeonato. Saímos de lá com o melhor resultado possível. Marcámos fora e apenas perdemos por 1 golo. Perfeito.
Passadas duas semanas, mesmo com a diferença abismal de futebol praticado em Marselha, os nossos adeptos responderam massivamente e esgotaram a lotação de mais de 100 000 pessoas no velhinho estádio da Luz para mostrar à Europa grande do futebol que nós erámos e somos tão grandes como muitos dos grandes clubes Europeus. Aliás, com o ambiente do Estádio da Luz íamos provar que somos muito maiores que o Marselha, apesar da sua equipa galáctica da altura.
O primeiro ponto a nosso favor foi esta atitude do nosso público. Ter 100 000 pessoas nas bancadas - há quem fale em 120 000 - é algo que marca a história dum clube. Hoje com muito mais entusiasmo, com uma equipa melhor que a que tínhamos há 20 anos e com um Marselha menos galáctico, não conseguimos meter mais de 50 000 pessoas e duvido que chegaremos a esse número optimista. Sempre acreditei que hoje poderíamos ter 60 000 pessoas nas bancadas mas a crise aperta, há muitos jogos pela frente e o dinheiro não dá para tudo.
Seremos os suficientes para que não falte apoio e que os de Marselha continuem com a ideia do Inferno da Luz, agora em novo Estádio.
Há 20 anos, no segundo jogo no Estádio da Luz, estava em Espanha. Nunca mais na vida me esquecerei desse dia. Nessa altura a minha paixão pelo Benfica era ainda infantil e "não consumada". Não vivia em Lisboa e não ia ao Estádio da Luz com frequência. Aliás, apenas quando passei a viver em Lisboa, comecei a frequentar o Estádio da Luz de forma religiosa e hoje para mim é impossível estar em Portugal Continental e não ir ao Estádio todas as vezes que aí se disputa um jogo. Nesses anos o sonho de poder viver o Benfica em pleno não passava disso mesmo - um sonho...
Quis o destino que estivesse com família em Espanha e sei que nesse dia especificamente tínhamos ido ver um tio meu que nessa altura aí vivia. Estava com os meus pais, com o meu irmão e com a minha avó que tinha ido connosco para ver o seu filho a Espanha. Passei o dia nervoso e obviamente que sonhei em cada momento com a exibição, o golo que nos permitisse passar à final. Tinham-me prometido que veríamos o jogo numa qualquer televisão, mas infelizmente tal não foi possível. Tenho com este jogo de Marselha sentimentos mistos. O jogo mais importante do Benfica em muitos anos - não esqueço o Steaua de Bucareste dois anos antes - não ia ser acompanhado por mim em directo. Nesse momento em que senti que seria impossível ver o jogo, senti-me a trair o meu Benfica. Lembro-me tão bem desse dia porque sei que não será possível esquecê-lo. A minha ligação com o Benfica é algo que não se explica. Não há psicanálise que explique a paixão que tenho pelo Benfica e sei que não a quero explicar. Sou muito certinho na minha vida, tenho muitas responsabilidades, muito trabalho, muita pressão e o Benfica é meu... O Benfica é muitas vezes o meu único escape e foi assim durante toda a vida. Sou um apaixonado pelo Benfica e desde as tardes infantis onde comprava "A Bola" e a colocava como um enorme lençol na mesa do meu apartamento que sinto que aí, no meu Benfica, sou livre... É das poucas coisas na minha vida onde me sinto totalmente livre e por isso não troco o Benfica por nada.
Se pudesse viver o Benfica a 100%, largaria tudo, porque sei que nesse dia estaria muito mais perto da felicidade total. Nesse dia de Abril de 1990 passou-se exactamente o contrário. Saber que o meu Benfica ia entrar em campo e eu num qualquer restaurante do sul de Espanha não podia assistir a este jogo é algo que me marcou para sempre. A desilusão e tristeza foram profundas. Não havia sms, não havia internet, não havia nada que me pudesse informar do que se passava em Lisboa no nosso Estádio da Luz. Nada... Foram 90 minutos de puro sofrimento, sem saber nada... Penso que no futebol, nunca vivi experiência igual em toda a minha vida. Amuei... Fiquei triste, tinha a família ao lado mas a minha cabeça não estava ali. Fiquei triste com as promessas de que o jogo ia dar num qualquer canal e depois a tristeza de constatar que afinal não iria ver este importante jogo. Foi absolutamente devastador e ainda hoje me lembro de cada um desses 90 minutos. Puro sofrimento, instabilidade, um vazio e uma escuridão totais. Não aceitava que fosse possível não ver o jogo... Queria sair dali e correr todos os restaurantes, bares ou cafés e perguntar a cada um se podia apanhar um qualquer canal, numa qualquer parabólica este importante jogo... Não o fiz pela idade que tinha, pelo respeito familiar e sabia que para toda a família o Benfica não era a prioridade. Mas para mim, era...
A certa altura já perto do final do jogo não aguentei e lá disse à família que tínhamos de saber o resultado, que não aguentava mais e o meu tio teve uma ideia.
Resolveu ligar um numero aleatório para a vila onde vivíamos. Ligou do restaurante para o +351 de Portugal, depois marcou o indicativo da nossa zona, ligou um numero e esperou que do outro lado alguém atendesse o telefone.
Atende uma senhora, ele apresenta-se, diz quem é e a senhora ainda antes do resultado, assusta-se porque tem um filho na mesma excursão de "páscoa" onde nós também estávamos. Depois de explicar a situação e dizer que o filho está bem, a senhora diz do outro lado da linha:
"ah, o Benfica marcou agora mesmo um golo. Está a ganhar 1-o".
Não há explicação para a alegria que senti neste momento. Já vivi muitos golos em Estádios, nas televisões e muitos mais hei-de viver mas estes minutos finais do Benfica-Marselha foram algo que nunca me vou esquecer. Nesses minutos o mundo pára. Não há nada que interesse mais que o resultado do Benfica, que a passagem à final, que o apito final confirmando que passámos a eliminatória.
Foram momentos inesquecíveis, mas de tão inesquecíveis, esqueci como soube que tínhamos ganho 1-0. Não sei como foi... Não sei se alguém do restaurante nos disse, se o canal de TV Espanhol o informou, se houve um novo telefonema para a nossa "vila" - ainda era vila - mas sei que o Benfica tinha ganho.
Nesse momento tive as emoções mistas que não me permitem encarar essa eliminatória como limpa. Não me perdoarei nunca não ter acompanhado o meu Benfica nesses 90 minutos. Só eu sei o que sofri e não sou pessoa de me vangloriar pelo sofrimento, nem pessoa de entrar em concursos para ver quem sente mais o Benfica. Aliás, a força deste clube é exactamente o "sentir diferente" de várias formas, por milhões de pessoas. Nessa noite o alívio final de saber o resultado era confrontado com a tristeza de não ter estado com o Benfica.
A caminho do hotel e numa viagem de duas horas - este meu tio vivia a 200 km de distância donde estava a nossa excursão - lembro de olhar o vidro da janela do carro e sonhar com o dia em que pudesse ir ao Estádio da Luz todas as semanas. Esse dia chegou e hoje sei que alem da família, nada mais me prende a Portugal. Apenas este Estádio e esta paixão que não me permitirá nunca viver longe daqui. Sei que tenho espírito de emigrante, sei que passo, passei e passarei muito tempo fora de Portugal, mas nunca poderei passar sem o Estádio da Luz e sem o Benfica... Esta âncora irracional tem muito a ver com este Benfica - Marselha (mas não só) e sei que hoje no Estádio da Luz colocarei 20 anos depois uma pedra sobre o Marselha. Há dias especiais e jogos especiais mas quando daqui a umas horas subir as escadas para o meu lugar no terceiro anel sei que estou a apaziguar-me interiormente e sei que fecharei o ciclo Marselha com a mesma paixão com que a vivi 20 anos atrás de forma muito distante.
Nessa mesma noite e antes de dormir, lembro que todos os meus amigos me disseram que viram o jogo no EuroSport. Aí, sei que a minha tristeza foi outra vez enorme. No EuroSport??? Em 1990 o EuroSport não dava muitos jogos da taça dos cubes campeões Europeus, mas de vez em quando lá dava um directo. Pois bem, nesse dia o EuroSport deu o jogo e teria sido tão fácil vê-lo em qualquer lugar, de qualquer cantinho de Espanha... Fui dormir e no dia seguinte acordei com as notícias da mão de Vata que apenas soube no dia seguinte. Fechei esse ciclo e esse nome "Marselha" até hoje...
Espero que hoje a equipa corresponda, mas se algo correr mal eu sei que fiz a minha parte. Há 20 anos senti exactamente o contrário. Os nossos jogadores fizeram a sua parte e eu não cumpri com a minha. Hoje pode ser diferente e espero que ambos correspondamos às expectativas.
Força Benfica